gregorio de matos

O século XVII no Brasil colonial foi marcado por uma efervescência cultural e literária, e nesse cenário brilhava uma figura singular: Gregório de Matos Guerra, cuja genialidade e ousadia o tornaram uma figura icônica na história da Literatura Brasileira.

Sumário

Quem foi Gregório de Matos e qual sua importância?

Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”, representa uma figura fascinante e complexa na história da literatura brasileira. Sua genialidade literária, aliada à sua coragem em desafiar as normas sociais e políticas de sua época, o coloca como um dos grandes poetas barrocos, cuja obra continua a ser objeto de estudo e admiração até os dias de hoje.

Biografia

Juventude e Educação (1636-1654)

Gregório de Matos nasceu em Salvador, Bahia, por volta de 1636, em uma família abastada. Sua educação foi privilegiada, estudando no Colégio dos Jesuítas e posteriormente na Universidade de Coimbra, em Portugal. Essa formação sólida moldou seu intelecto aguçado e seu estilo literário refinado.

Retorno ao Brasil (1654)

Após concluir seus estudos, Gregório retornou ao Brasil, estabelecendo-se em Salvador. Iniciou sua carreira como advogado, mas logo sua vocação literária se destacou.

Atividade Literária (1660-1690)

Durante esse período, Gregório de Matos produziu grande parte de sua obra literária. Seus poemas abordavam temas diversos, incluindo críticas à sociedade, religião e política, além de reflexões sobre a condição humana.

Perseguições e Exílio (1680)

Suas sátiras provocativas e críticas afiadas resultaram em perseguições por parte das autoridades religiosas e civis. Em 1685, foi preso e exilado para Angola, onde permaneceu até 1691.

Retorno e Morte (1691-1696)

Após o período de exílio, Gregório voltou a Salvador. Sua produção literária continuou, mas enfrentou dificuldades financeiras. O poeta faleceu em 1696, deixando um legado significativo na literatura brasileira.

A Poesia Barroca de Gregório de Matos

A obra de Gregório de Matos reflete os elementos característicos do Barroco, movimento artístico que se destacou pela exuberância, a dualidade entre o divino e o profano, e o uso elaborado de metáforas e imagens. Seus sonetos, sátiras e poemas líricos revelam uma habilidade extraordinária na manipulação da linguagem.

A Ironia e a Sátira como Marcas Registradas

O que realmente distingue Gregório de Matos é sua habilidade única de utilizar a ironia e a sátira como ferramentas literárias. Mestre na crítica social, ele não poupava nem mesmo as autoridades eclesiásticas e políticas da época. Suas sátiras, muitas vezes impiedosas, revelam um observador perspicaz e corajoso que questionava as injustiças e hipocrisias do seu tempo.

Por que Gregório ficou conhecido como Boca do Inferno?

O apelido “Boca do Inferno” não se refere a características morais do poeta, mas sim ao seu estilo irreverente e satírico, que muitas vezes envolvia críticas ácidas à sociedade e à Igreja da época.

Gregório de Matos era conhecido por sua língua afiada e por não poupar críticas a diversos setores da sociedade colonial. Suas sátiras eram frequentemente dirigidas a autoridades civis, religiosas e até mesmo a outros escritores. Essa postura provocativa e suas críticas contundentes lhe renderam o apelido de “Boca do Inferno”, sugerindo que sua língua era capaz de desferir palavras como se fossem chamas do inferno.

Apesar de ser reconhecido como um dos maiores poetas do período barroco no Brasil, a sua postura crítica e irreverente gerou-lhe diversos problemas. Ele chegou a ser preso e teve parte de sua obra censurada. A alcunha “Boca do Inferno” ressalta a reputação provocadora e destemida desse poeta barroco brasileiro.

Podemos dividir suas poesias em algumas categorias principais:

Lírico-Amorosas: Gregório de Matos escreveu muitos poemas líricos de caráter amoroso, abordando temas como o amor cortês e a idealização da mulher amada. Esses poemas muitas vezes seguiam as convenções poéticas do Barroco, com uma linguagem rebuscada e imagens elaboradas.

Sátiras e Críticas Sociais: Uma parte significativa da obra de Gregório de Matos é composta por sátiras e críticas sociais. Ele não poupava críticas à sociedade colonial, à corrupção, às injustiças e às hipocrisias. Suas sátiras frequentemente tinham alvos específicos, incluindo autoridades civis, religiosas e outros poetas da época.

Religiosas: Gregório também escreveu poemas com temas religiosos. Esses versos muitas vezes expressavam sua devoção religiosa, mas também podiam conter críticas à Igreja e aos líderes religiosos.

Burlescas: O poeta era conhecido por suas composições burlescas, caracterizadas pelo uso de linguagem coloquial e humor para satirizar a sociedade. Esses poemas muitas vezes tinham um tom jocoso e eram destinados a entreter.

O que o Gregório de Matos defendia?

Suas obras refletiam uma postura crítica em relação aos problemas sociais, políticos e religiosos de sua época, utilizando a sátira como uma forma de expressar suas opiniões.

Principais Obras

Obra Poética

Esta coletânea abrange uma variedade de estilos, desde sonetos líricos até poemas satíricos. Nela, Gregório de Matos explora temas como o amor, a efemeridade da vida e a crítica social, demonstrando sua versatilidade e profundidade.

Sermões

Além de poesia, Gregório também escreveu sermões, revelando seu domínio não apenas da linguagem poética, mas também da oratória. Seus sermões, muitas vezes incisivos, abordam temas religiosos e morais, adicionando uma camada adicional à sua obra.

Cartas Chilenas

Embora existam controvérsias sobre a autoria, algumas atribuem a Gregório de Matos as “Cartas Chilenas”, uma série de epístolas satíricas que critica a administração colonial na Bahia. Essa obra é um exemplo impressionante de sua coragem ao enfrentar o poder estabelecido.

Satíricas

Uma coleção de sátiras que confrontam a sociedade da época, expondo os vícios e a corrupção. Nessas obras, Gregório de Matos utiliza seu humor afiado para denunciar as injustiças sociais e as práticas hipócritas.

Poemas de Gregório de Matos com análise

Lírico – Amoroso

A Maria dos Povos, sua futura esposa

Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca o Sol, e o dia:
Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda flor sua pisada.
Oh não aguardes, que a madura idade,
Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

O soneto acima expressa algumas especificidades temáticas e estilísticas típicas da sua lírica amorosa. Na primeira estrofe, o autor descreve a beleza física da musa Maria por meio de adjetivos (discreta, formosa) e de metáforas (rosada Aurora).

A aparente tranquilidade da primeira estrofe passa a ser quebrada no primeiro verso da terceira estrofe no momento em que o autor recomenda de forma brusca que Maria deve, o quanto antes, aproveitar sua juventude.

A sonoridade aparece através das rimas e do uso da aliteração; no verso “Que o tempo trata a toda ligeireza”, por exemplo, percebemos como o recurso da repetição de sons oclusivos – como o [t] – faz lembrar o som do galope do cavalo que transporta o tempo, reforçando na expressividade aquilo que o conteúdo apresenta; no verso seguinte temos a imagem de uma frágil flor que fora acompanhada pelo tempo.

No último verso, a imagem da flor é retomada. Símbolo de beleza, a flor também representa a efemeridade, o que é confirmado com o último verso em expressões como cinza, pó, sombra e nada.

Chega-se, assim, ao fim último das coisas vivas: a morte. O texto é trabalhado de forma a iniciar-se com a Aurora, concluindo com o nada, os dois extremos da vida, ou seja, a dualidade que persegue todas as
criaturas, vida e morte, o que é marca do período Barroco.

A D. Ângela

Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara?

Quem vira uma tal flor que a não cortara
De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo que me tenta, e não me guarda.

Há composições, como veremos no poema abaixo, em que o autor inova ao destacar uma certa tropicalidade, ou um sentimento de brasilidade.

Minha rica mulatinha,
desvelo e cuidado meu,
eu já fora todo teu,
e tu foras toda minha;

Juro-te, minha vidinha,
se acaso minha qués ser,
que todo me hei de acender
em ser teu amante fi no pois
por ti já perco o tino,
e ando para morrer.

Lírico – Religioso

Neste tipo de composição o poeta trabalha com a dicotomia pecado/perdão. Geralmente, num primeiro momento, por meio de antíteses e paradoxos, ele se confessa um pecador para em seguida pedir clemência a Deus. Vamos ao texto que ilustra bem essa “malandragem” poética atribuída ao autor:

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer,
Animoso, constante, firme e inteiro:
Neste lance, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer;
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um Pai, manso Cordeiro.
Porém pode ter fi m todo o pecar,
E não o vosso amor que é infinito.
Que, por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.
Mui grande é o vosso amor e o meu delito;
Esta razão me obriga a confiar,
Legado e Reconhecimento Póstumo

Apesar das controvérsias em vida, o legado de Gregório de Matos é inegável. Sua poesia, muitas vezes considerada à frente de seu tempo, influenciou gerações posteriores de escritores. No entanto, seu reconhecimento como um dos maiores poetas barrocos só veio séculos depois de sua morte, quando sua obra foi redescoberta e reavaliada, ganhando o devido lugar de destaque na história da literatura brasileira.

Vídeo sobre Gregório de Matos

Sobre o Autor

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